Dizem que adolescentes tem tendência a contrariar os pais, mas desta vez eu não sou a rebelde da história, tenho clara certeza disso. É errado pensar que as minhas férias são preciosas demais pra ficarem na abstinência de comunicação virtual e qualquer tipo de diversão?
Bem, o fato é que minha mãe vai fazer
um documentário na Somália durante todo o verão e eu vou ter que ficar na casa
do tio Dan em Brangsville, na Inglaterra. Tudo bem, falando assim até parece
divertido, mas Brangsville mal passa dos 8 mil habitantes, o que na certa
significa: tédio. E ainda não acabou: a cidade não tem acesso a sinal de
wireless e muito menos filial da Starbucks,
minha cafeteria preferida.
-Você vai sobreviver Lavynia, confie em mim,
Tio Dan vai te atender no que precisar- É uma pena que não puxei o otimismo da
minha mãe, porque seria mesmo muito útil.
-Mãe, promete que vai me deixar
ir à viagem da escola para Paris no inverno?
-Claro querida, coloque um
sorriso nessa cara emburrada e seja paciente.
Bem que eu queria. Saí para me despedir de
Manhattan com meus amigos na sexta e peguei o voo no sábado de manhã no maior
clima de velório.
Tenho inveja das pessoas que se
sentem bem voando, e conseguem manter o bom humor, porque além de ser
desconfortável e tudo o mais, os pensamentos das coisas que aconteceram não me
deixam em paz até eu colocar o pé no chão. Não que eu seja uma rainha do crime
e essas coisas, mas me arrependo das muitas vezes que fui ingrata com minha mãe
e sumi por aí querendo dar um tempo dos dramas dela. Não a culpo pelo acidente
de carro que matou meu pai, mas sempre agi indiferente.
Chegar de pensar, hora de tomar o remedinho
tiro e queda e tirar da bolsa a máscara de dormir que roubei da minha mãe.
ZzZZZzzzZ.
ϟ
Quando acordei ainda meio zonza, estávamos
pousando. Tio Dan estava me esperando no aeroporto na hora certa, o que é de se
surpreender.
-Bem vinda a Brangsville Lavy! – Diz.
Nossa isso é tudo que eu sempre
quis! Pensei ironicamente.
- Obrigada tio Dan.
- Vamos, não vai ser tão ruim
assim- Dan piscou.
- Tomara– Brinquei.
Brangsville é uma cidade portuária e se situa
perto de um farol, o que a torna quase famosa pelas suas paisagens, mas não
menos deserta. No caminho para a casa de Tio Dan vi uns brechós, poucas e
pequenas lojas, clubes e o velho café que ele administra a um quarteirão de sua
casa, onde estacionamos o carro.
- Chegamos mi lady – ele dramatizou com um gesto.
Achei a casa é
bem parecida com a maioria das casas de manhattan: dois andares, sótão, um
vasto jardim, e o que me impressionou: aos fundos uma vista privilegiada do farol
perto do lago, que ficava a uns poucos quilômetros dali e combinado com a
plantação de trigos que o rodeava me lembrou muito as fotos que eu vejo no
“weheartit”.
-Uau - falei boquiaberta. Pelo menos minha câmera não vai
ficar abandonada como meu celular.
-Você precisa ver isso no por do sol, é de perder o fôlego!
Olha que seu tio aqui não desperdiça elogios- ele piscou pra mim, estalando os
dedos.
Um labrador surgiu dos fundos e partiu diretamente na minha
direção, me derrubando com suas patas enormes.
- E esse é o Lenny.
- Oi Lenny! – apertei-o.
- Se você não ficar esperta ele sempre vai te derrubar, não
é amigão? – Lenny pulou de alegria - Vem vou te mostrar o resto da casa.
No primeiro andar tudo parecia organizado na
medida do possível, sabe, para um homem que mantém a casa sozinho. Uma sala
espaçosa, cozinha moderna e janelas grandes. Bem aconchegante para os meus padrões
de exigência.
Já o quarto de hóspedes
pareceu ter sido descoberto por mim na hora que adentrei nele. Mas não liguei
para a aparência abandonada, agora eu tinha um banheiro só para mim, o que
significava que eu não precisaria mais desgastar minhas amígdalas todos os dias
para apressar a minha irmã.
- Está ótimo, obrigada tio Dan.
- Se estiver com fome, a dispensa está a sua espera a
qualquer momento.
- Pode deixar tio Dan, obrigada – repeti.
- Só uma coisa, tem que parar de falar obrigada – aguardou o
meu sorriso envergonhado e me deixou a sós com o “meu” novo quarto.
Tentei imaginar
minha mãe e sua obsessão por limpeza ali, ela começaria a entrar em desespero
assim que visse a primeira teia de aranha no canto do rodapé. Senti falta dela e
do seu jeito neurótico.
Resolvi abrir a janela
para arejar o quarto e ao puxar a cortina dei de cara com a janela da casa
vizinha exatamente na mesma direção que a minha. E se o vizinho fosse um
maníaco estripador de meninas? É pelo visto a neurose era meio que genética.
ϟ
Olhei para o pequeno
relógio vintage na prateleira empoeirada: meio dia. Quando desci para a cozinha,
Dan estava de saída para o almoço no café.
-Você vem comigo?
Acompanhei-o caminhando
até lá.
- Você poderia me
ajudar no café pra ocupar o seu tempo. – Ele sugeriu.
- Acho que não terei escolha, não é?
- O pagamento rende uns bons trocados, mas é claro que a
escolha é sua.
- Tudo bem, acho que um dinheiro a mais é sempre bem vindo -
sorri.
O café foi feito no
estilo retrô, com direito a discos de vinil e piso quadriculado xadrez na
decoração. É amplo e movimentado para uma cidade como essa. No fundo havia
máquinas de jogos, caixas de som gritando rock dos anos 80 e mesas vermelhas
com bancos duplos pra todos os lados.
- Você tem bom gosto- comentei.
- Na verdade a decoração foi ideia de seu pai, é uma pena
ele não ter chegado a ver a reforma depois de pronta. Sinto falta dele.
- Ele era parecido comigo?
- Tirando a parte de você ser menina, a teimosia e a capacidade
de convicção vieram do mesmo sangue.
Pedimos tacos e
comemos no balcão mesmo. Quando terminamos um menino loiro com covinhas que
parecia ter mais ou menos a minha idade veio em nossa direção.
- Ei Dan, temos carne fresca hoje?- limpou a mesa.
- Lavynia esse é o Nick, meu braço direito aqui no café –
Dan nos apresentou.
- E ai? – perguntei hesitante.
Ele sorriu com os
dentes perfeitamente brancos. - Querem mais alguma coisa? - Parecia ter saído
daquelas séries adolescentes aonde existem garotos que costumam se dar bem com
as garotas por todo lado, só que mais carismático.
- O seu telefone está
no cardápio? - Minha timidez não permitiu falar em voz alta. – Não, obrigada.
Dan começou a me ensinar
a atender as pessoas. Mesmo cansada da viagem achei melhor começar logo para
não ficar entediada em casa. Nick ajudou
a me localizar, era mesmo um doce de garoto. Diferente dos caras de Manhattan
que não têm paciência para nada a não ser se o assunto for dar em cima de meninas
que eles querem levar para o quarto, se é que me entende.
A tarde passou voando,
fui embora antes mesmo do café fechar, precisava desfazer as malas. No caminho
para casa, fiquei prestando atenção nas poucas pessoas que passavam por mim.
Era estranho não ter mais a sensação da correria e vai e vem de cidade grande.
Lenny me seguiu
subindo até o meu quarto e me arrependi assim que entrei. A bagunça tomou o
quarto. Não importa quanto tempo vou ficar fora sempre levo mais coisas do que
realmente preciso. Maldita indecisão.
ϟ
Um vento frio soprou no meu ombro, avancei para fechar a
janela. Ao olhar para a janela da casa ao lado vi uma revista do The Kooks
cobrindo o rosto de um garoto deitado na cama que vestia apenas jeans rasgados
e, bem, mais nada. (Continua).
Quero continuação logo eiin! (mas sem pressão)
ResponderExcluirAdorei até aqui.
Já to postando :)
ExcluirObrigada pelo carinho haha <3