sexta-feira, 28 de junho de 2013

Surpresas de um verão, parte I: Brangsville

        LightHouse

       Dizem que adolescentes tem tendência a contrariar os pais, mas desta vez eu não sou a rebelde da história, tenho clara certeza disso. É errado pensar que as minhas férias são preciosas demais pra ficarem na abstinência de comunicação virtual e qualquer tipo de diversão?
        Bem, o fato é que minha mãe vai fazer um documentário na Somália durante todo o verão e eu vou ter que ficar na casa do tio Dan em Brangsville, na Inglaterra. Tudo bem, falando assim até parece divertido, mas Brangsville mal passa dos 8 mil habitantes, o que na certa significa: tédio. E ainda não acabou: a cidade não tem acesso a sinal de wireless e muito menos  filial da Starbucks, minha cafeteria preferida.
         -Você vai sobreviver Lavynia, confie em mim, Tio Dan vai te atender no que precisar- É uma pena que não puxei o otimismo da minha mãe, porque seria mesmo muito útil.
          -Mãe, promete que vai me deixar ir à viagem da escola para Paris no inverno?
         -Claro querida, coloque um sorriso nessa cara emburrada e seja paciente.
 Bem que eu queria. Saí para me despedir de Manhattan com meus amigos na sexta e peguei o voo no sábado de manhã no maior clima de velório.
Tenho inveja das pessoas que se sentem bem voando, e conseguem manter o bom humor, porque além de ser desconfortável e tudo o mais, os pensamentos das coisas que aconteceram não me deixam em paz até eu colocar o pé no chão. Não que eu seja uma rainha do crime e essas coisas, mas me arrependo das muitas vezes que fui ingrata com minha mãe e sumi por aí querendo dar um tempo dos dramas dela. Não a culpo pelo acidente de carro que matou meu pai, mas sempre agi indiferente.
 Chegar de pensar, hora de tomar o remedinho tiro e queda e tirar da bolsa a máscara de dormir que roubei da minha mãe. ZzZZZzzzZ.
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 Quando acordei ainda meio zonza, estávamos pousando. Tio Dan estava me esperando no aeroporto na hora certa, o que é de se surpreender.
 -Bem vinda a Brangsville Lavy! – Diz.
Nossa isso é tudo que eu sempre quis! Pensei ironicamente.
- Obrigada tio Dan.
- Vamos, não vai ser tão ruim assim- Dan piscou.
- Tomara– Brinquei.
       Brangsville é uma cidade portuária e se situa perto de um farol, o que a torna quase famosa pelas suas paisagens, mas não menos deserta. No caminho para a casa de Tio Dan vi uns brechós, poucas e pequenas lojas, clubes e o velho café que ele administra a um quarteirão de sua casa, onde estacionamos o carro.
- Chegamos mi lady – ele dramatizou com um gesto.
     Achei a casa é bem parecida com a maioria das casas de manhattan: dois andares, sótão, um vasto jardim, e o que me impressionou: aos fundos uma vista privilegiada do farol perto do lago, que ficava a uns poucos quilômetros dali e combinado com a plantação de trigos que o rodeava me lembrou muito as fotos que eu vejo no “weheartit”.
-Uau - falei boquiaberta. Pelo menos minha câmera não vai ficar abandonada como meu celular.
-Você precisa ver isso no por do sol, é de perder o fôlego! Olha que seu tio aqui não desperdiça elogios- ele piscou pra mim, estalando os dedos.
Um labrador surgiu dos fundos e partiu diretamente na minha direção, me derrubando com suas patas enormes.
 - E esse é o Lenny.
- Oi Lenny! – apertei-o.
- Se você não ficar esperta ele sempre vai te derrubar, não é amigão? – Lenny pulou de alegria - Vem vou te mostrar o resto da casa.
  No primeiro andar tudo parecia organizado na medida do possível, sabe, para um homem que mantém a casa sozinho. Uma sala espaçosa, cozinha moderna e janelas grandes. Bem aconchegante para os meus padrões de exigência.
  Já o quarto de hóspedes pareceu ter sido descoberto por mim na hora que adentrei nele. Mas não liguei para a aparência abandonada, agora eu tinha um banheiro só para mim, o que significava que eu não precisaria mais desgastar minhas amígdalas todos os dias para apressar a minha irmã.
- Está ótimo, obrigada tio Dan.
- Se estiver com fome, a dispensa está a sua espera a qualquer momento.
- Pode deixar tio Dan, obrigada – repeti.
- Só uma coisa, tem que parar de falar obrigada – aguardou o meu sorriso envergonhado e me deixou a sós com o “meu” novo quarto.
  Tentei imaginar minha mãe e sua obsessão por limpeza ali, ela começaria a entrar em desespero assim que visse a primeira teia de aranha no canto do rodapé. Senti falta dela e do seu jeito neurótico.
  Resolvi abrir a janela para arejar o quarto e ao puxar a cortina dei de cara com a janela da casa vizinha exatamente na mesma direção que a minha. E se o vizinho fosse um maníaco estripador de meninas? É pelo visto a neurose era meio que genética.
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  Olhei para o pequeno relógio vintage na prateleira empoeirada: meio dia. Quando desci para a cozinha, Dan estava de saída para o almoço no café.
-Você vem comigo?
   Acompanhei-o caminhando até lá.
 - Você poderia me ajudar no café pra ocupar o seu tempo. – Ele sugeriu.
- Acho que não terei escolha, não é?
- O pagamento rende uns bons trocados, mas é claro que a escolha é sua.
- Tudo bem, acho que um dinheiro a mais é sempre bem vindo - sorri.
 O café foi feito no estilo retrô, com direito a discos de vinil e piso quadriculado xadrez na decoração. É amplo e movimentado para uma cidade como essa. No fundo havia máquinas de jogos, caixas de som gritando rock dos anos 80 e mesas vermelhas com bancos duplos pra todos os lados.
- Você tem bom gosto- comentei.
- Na verdade a decoração foi ideia de seu pai, é uma pena ele não ter chegado a ver a reforma depois de pronta. Sinto falta dele.
- Ele era parecido comigo?
- Tirando a parte de você ser menina, a teimosia e a capacidade de convicção vieram do mesmo sangue.
 Pedimos tacos e comemos no balcão mesmo. Quando terminamos um menino loiro com covinhas que parecia ter mais ou menos a minha idade veio em nossa direção.
- Ei Dan, temos carne fresca hoje?- limpou a mesa.
- Lavynia esse é o Nick, meu braço direito aqui no café – Dan nos apresentou.
- E ai? – perguntei hesitante.
   Ele sorriu com os dentes perfeitamente brancos. - Querem mais alguma coisa? - Parecia ter saído daquelas séries adolescentes aonde existem garotos que costumam se dar bem com as garotas por todo lado, só que mais carismático.
 - O seu telefone está no cardápio? - Minha timidez não permitiu falar em voz alta. – Não, obrigada.
 Dan começou a me ensinar a atender as pessoas. Mesmo cansada da viagem achei melhor começar logo para não ficar entediada em casa.  Nick ajudou a me localizar, era mesmo um doce de garoto. Diferente dos caras de Manhattan que não têm paciência para nada a não ser se o assunto for dar em cima de meninas que eles querem levar para o quarto, se é que me entende.
 A tarde passou voando, fui embora antes mesmo do café fechar, precisava desfazer as malas. No caminho para casa, fiquei prestando atenção nas poucas pessoas que passavam por mim. Era estranho não ter mais a sensação da correria e vai e vem de cidade grande.
 Lenny me seguiu subindo até o meu quarto e me arrependi assim que entrei. A bagunça tomou o quarto. Não importa quanto tempo vou ficar fora sempre levo mais coisas do que realmente preciso. Maldita indecisão.
ϟ
Um vento frio soprou no meu ombro, avancei para fechar a janela. Ao olhar para a janela da casa ao lado vi uma revista do The Kooks cobrindo o rosto de um garoto deitado na cama que vestia apenas jeans rasgados e, bem, mais nada. (Continua).